terça-feira, 31 de maio de 2016

Contextualização sobre os Erros de Medicação


O erro de medicação, entendido como “falha no processo de tratamento que cause ou que tem o potencial de causar dano ao paciente”, é um dos principais incidentes relacionados ao cuidado em saúde. Pode estar relacionado a produtos, procedimentos, sistemas e prática profissional, incluindo prescrição; orientações verbais; rotulagem, embalagem e nomenclatura de produtos; dispensação; distribuição; administração e monitorização do uso. O tema faz parte do escopo da farmacovigilância e também da segurança do paciente, exigindo ações coordenadas das instituições nacionais envolvidas com essas duas áreas1.

O Instituto de Medicina (EUA) estima que cada paciente internado está sujeito a um erro de medicação/dia2, resultando em cerca 7.000 mortes ao ano nos EUA3. Calcula-se que entre 2 e 7% dos pacientes admitidos em hospitais sofrem algum erro de medicação grave4, o que afeta principalmente idosos e crianças.

No final de 2015, a publicação da Lei nº 13.236, a qual alterou a Lei nº 6.360/76, reforçou a urgência em abordar essa questão no campo da Vigilância Sanitária. Em seus artigos terceiro e quarto, o texto legal estabelece que “os rótulos de medicamentos, de drogas e de produtos correlatos deverão possuir características que os diferenciem claramente entre si e que inibam erros de dispensação e de administração, trocas indesejadas ou uso equivocado”; e define que “para conter ou acondicionar droga, medicamento ou produtos correlatos, não será autorizado o emprego de embalagem que possa induzir trocas indesejadas ou erros na dispensação, no uso ou na administração desses produtos”.

Não se sabe a incidência nacional dos erros de medicação em virtude dos escassos e limitados estudos. Contudo, há evidências importantes de que esse se constitui em um grave problema de saúde pública também no Brasil. Por exemplo, um estudo de erros de medicação encontrados na triagem e dispensação de 5.300 prescrições de medicamentos em um hospital oncológico, em 2010, identificou falhas em 10,39% dos casos (551 erros de dispensação). A omissão de dose foi o principal erro (36%), seguido de dose inferior à necessária (28%) e troca do medicamento dispensado (17%)5.

Outra pesquisa importante foi desenvolvida pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Trata-se de um estudo feito em cinco unidades hospitalares ligadas a universidades das regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, o qual analisou a administração de cerca de 5 mil doses de medicação no ano de 2010, encontrando erro em 30% dos casos. Desses, 77,3% dos enganos são relativos ao horário da administração; 14,4% são devido a erros de dosagem e 6,1% relacionam-se a trocas na via de administração6.

Outro aspecto relevante no contexto nacional refere-se à subnotificação dos eventos. Segundo dados do Notivisa versão 1.0, foram registradas 171 notificações classificadas como erro de medicação (período: 01/01/2013 e 31/12/2015).

Um dado que chama a atenção na avaliação das notificações é que o principal tipo de medicamento associado aos erros de medicação notificados (classificação de acordo com o subgrupo terapêutico - Sistema ATC) são os antibacterianos de uso sistêmico, o que alerta para o risco de desenvolvimento de mecanismos de resistência aos antimicrobianos.

A análise da etapa em que ocorreu o erro de medicação demostra que a maioria dos erros está relacionada à fase de administração do medicamento. Destaca-se que, nos serviços de saúde, a administração é a fase mais evidente da interface de uso do produto com o profissional, envolvendo medicamentos, materiais e equipamentos de saúde. Por esse motivo, a questão da usabilidade é importante para promover a segurança do paciente na fase de administração.

 Há de se salientar que muitas das notificações relacionadas a erros de medicação foram equivocadamente registradas no Notivisa versão 2.0, o qual trata dos eventos adversos relacionados à assistência à saúde. Na análise das notificações nesse sistema, identificou-se um grande volume de notificações no campo “outro”, durante a escolha do tipo de evento adversos relatado pelo notificador. Ao desdobrar quais seriam esses outros eventos, os incidentes relacionados ao uso de medicamentos nos serviços de saúde ocupavam o terceiro lugar entre março e dezembro de 2014.

Para dirimir as dúvidas sobre essa questão, a Anvisa publicou a Nota Técnica Conjunta GGMON/GGTES n°2/2015, que orientou que a notificações de erros de medicação deve ser efetuada no sistema Notivisa 1.0. Já se observam os efeitos dessa medida: houve aumento significativo nas notificações registradas na versão 1.0 do sistema, que passou a contar com 195 notificações relacionadas a erro de medicação entre janeiro e abril de 2016.

 Referências
1. OMS. Reporting and learning system for medication error: the role of pharmacovigilance system. 2014

2. IOM. Preventing medication errors. Institute of Medicine: Washington DC,2006.

3.     KOHN et al. To err is human: building a safer health system. Institute of Medicine: Washington DC, 2000.

4.     Bates et. al. Incidence of adverse drug events and potential adverse drugs events: implication for prevention. JAMA. 1995;274(1): 29-34.
5.     ALBUQUERQUE et al. Identificação de erros na dispensação de medicamentos em um hospital oncológico. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde. São Paulo v.3 n.1 15-18 jan./mar. 20

6.     REIS et al. Errors in medicine administration - profile of medicines: knowing and preventing. Acta paul. enferm. [online]. 2010, 23(2):181-186.