O erro
de medicação, entendido como “falha no processo de tratamento que cause ou que
tem o potencial de causar dano ao paciente”, é um dos principais incidentes
relacionados ao cuidado em saúde. Pode estar relacionado a produtos,
procedimentos, sistemas e prática profissional, incluindo prescrição;
orientações verbais; rotulagem, embalagem e nomenclatura de produtos; dispensação;
distribuição; administração e monitorização do uso. O tema faz parte do escopo
da farmacovigilância e também da segurança do paciente, exigindo ações
coordenadas das instituições nacionais envolvidas com essas duas áreas1.
O Instituto
de Medicina (EUA) estima que cada paciente internado está sujeito a um erro de
medicação/dia2, resultando em cerca 7.000 mortes ao ano nos EUA3.
Calcula-se que entre 2 e 7% dos pacientes admitidos em hospitais sofrem algum
erro de medicação grave4, o que afeta principalmente idosos e
crianças.
No final
de 2015, a publicação da Lei nº 13.236, a qual alterou a Lei nº 6.360/76,
reforçou a urgência em abordar essa questão no campo da Vigilância Sanitária.
Em seus artigos terceiro e quarto, o texto legal estabelece que “os rótulos de
medicamentos, de drogas e de produtos correlatos deverão possuir características
que os diferenciem claramente entre si e que inibam erros de dispensação e de
administração, trocas indesejadas ou uso equivocado”; e define que “para conter
ou acondicionar droga, medicamento ou produtos correlatos, não será autorizado
o emprego de embalagem que possa induzir trocas indesejadas ou erros na
dispensação, no uso ou na administração desses produtos”.
Não se
sabe a incidência nacional dos erros de medicação em virtude dos escassos e
limitados estudos. Contudo, há evidências importantes de que esse se constitui
em um grave problema de saúde pública também no Brasil. Por exemplo, um estudo
de erros de medicação encontrados na triagem e dispensação de 5.300 prescrições
de medicamentos em um hospital oncológico, em 2010, identificou falhas em
10,39% dos casos (551 erros de dispensação). A omissão de dose foi o principal
erro (36%), seguido de dose inferior à necessária (28%) e troca do medicamento
dispensado (17%)5.
Outra
pesquisa importante foi desenvolvida pela Escola de Enfermagem da Universidade
de São Paulo. Trata-se de um estudo feito em cinco unidades hospitalares
ligadas a universidades das regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, o
qual analisou a administração de cerca de 5 mil doses de medicação no ano de
2010, encontrando erro em 30% dos casos. Desses, 77,3% dos enganos são
relativos ao horário da administração; 14,4% são devido a erros de dosagem e 6,1%
relacionam-se a trocas na via de administração6.
Outro
aspecto relevante no contexto nacional refere-se à subnotificação dos eventos.
Segundo dados do Notivisa versão 1.0, foram registradas 171 notificações
classificadas como erro de medicação (período: 01/01/2013 e 31/12/2015).
Um dado
que chama a atenção na avaliação das notificações é que o principal tipo de medicamento
associado aos erros de medicação notificados (classificação de acordo com o subgrupo
terapêutico - Sistema ATC) são os antibacterianos de uso sistêmico, o que
alerta para o risco de desenvolvimento de mecanismos de resistência aos
antimicrobianos.
A
análise da etapa em que ocorreu o erro de medicação demostra que a maioria dos
erros está relacionada à fase de administração do medicamento. Destaca-se que,
nos serviços de saúde, a administração é a fase mais evidente da interface de
uso do produto com o profissional, envolvendo medicamentos, materiais e
equipamentos de saúde. Por esse motivo, a questão da usabilidade é importante
para promover a segurança do paciente na fase de administração.
Há de se salientar que muitas das notificações
relacionadas a erros de medicação foram equivocadamente registradas no Notivisa
versão 2.0, o qual trata dos eventos adversos relacionados à assistência à
saúde. Na análise das notificações nesse sistema, identificou-se um grande
volume de notificações no campo “outro”, durante a escolha do tipo de evento
adversos relatado pelo notificador. Ao desdobrar quais seriam esses outros
eventos, os incidentes relacionados ao uso de medicamentos nos serviços de
saúde ocupavam o terceiro lugar entre março e dezembro de 2014.
Para
dirimir as dúvidas sobre essa questão, a Anvisa publicou a Nota Técnica
Conjunta GGMON/GGTES n°2/2015, que orientou que a notificações de erros de
medicação deve ser efetuada no sistema Notivisa 1.0. Já se observam os efeitos
dessa medida: houve aumento significativo nas notificações registradas na
versão 1.0 do sistema, que passou a contar com 195 notificações relacionadas a
erro de medicação entre janeiro e abril de 2016.
2. IOM. Preventing
medication errors. Institute of Medicine: Washington DC,2006.
3. KOHN et al. To
err is human: building a safer health system. Institute of Medicine:
Washington DC, 2000.
4. Bates et. al. Incidence of adverse drug events and
potential adverse drugs events: implication for prevention. JAMA. 1995;274(1): 29-34.
5. ALBUQUERQUE
et al. Identificação de erros na dispensação de medicamentos em um hospital
oncológico. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde.
São Paulo v.3 n.1 15-18 jan./mar. 20 6. REIS et al. Errors in medicine administration - profile of medicines: knowing and preventing. Acta paul. enferm. [online]. 2010, 23(2):181-186.